Ainda o Sítio e, depois, alguma Poesia
Um dia, com quase vinte anos, mostrei ao meu pai umas poesias, incerta se estavam dignas de serem poesias. Ele disse que sim, podia, eram poesias memorialísticas. Então, aqui estão duas, pois não sei se perdi as outras.
São verdadeiras, e refletem a visão de uma criança, na memória de uma adolescente.
Recordação
Uma cabana afundada no grotão
Exala um cheiro estranho,
Nem bom nem ruim,
De fumo e suor.
Nhô Nilo vive lá,
Com seu cachorro doente
De atropelado.
Nhô Nilo foi o primeiro mistério da minha vida
E o cão, o primeiro tocado de morte.
Uma bomba hidráulica, que ele tem de reparar,
Funciona na bica
Pam-pam, pam-pam, pam-pam.
Mais fundo no bosque
há cogumelos de chapéu vermelho.
E na parte nobre do sítio,
Fileiras de rosas cercam a casa:
A primeira paixão da minha vida.
Elisa Sayeg
março de 1985
SUSTO
Com argila silvestre
Meu pai fez uma carranca
No sítio do meu avô.
De pura diversão.
A caratonha assustava, mas
A perícia do escultor
Impôs respeito.
Durante a semana
Ficou ela, a caratonha, só
Com a cozinheira e o fogão de lenha.
Chaminé fumarenta, fumo e conversas
De noite, um medo gostoso.
O bosque escuro e ciciante.
Mas a garatuja das mãos humanas
Assustou à cozinheira mais
Que os brancos fantasmas que eu via
No hálito do bosque dançarem.
E ela despedaçou contra o piso
O primeiro arremedo de encarnação
Dos elementares daninhos.
Elisa Sayeg
março 1985
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